
Deter-se por um momento diante de um fato singular e estranho; deleitar-se com ele e ver sua singularidade aparente; olhá-lo como uma curiosidade e colecioná-lo no museu da própria memória ou num anedotário – essa atitude sempre me foi estranha e repugnante. Algumas pessoas são tão incapazes de captar o significado íntimo e a realidade psicológica de tudo que, numa cultura diferente, é superficialmente estranho e incompreensível à primeira vista. Essas pessoas não nasceram para ser etnólogos. É no amor pela síntese final adquirida pela assimilação e compreensão de todos os itens de uma cultura e, ainda mais, no amor pela variedade e independência de várias culturas que está o teste do verdadeiro profissional da autêntica Ciência do Homem.
Há, porém, um ponto de vista mais profundo ainda e mais importante do que o desejo de experimentar uma variedade de modos humanos de vida, e que é o desejo de transformar tal conhecimento em sabedoria. Embora possamos, por um momento, entrar na alma de um selvagem e através de seus olhos ver o mundo exterior e sentir como ele deve sentir-se ao sentir-se ele mesmo – nosso objetivo final ainda é enriquecer e aprofundar nossa própria visão do mundo, compreender nossa própria natureza e refiná-la, intelectual e artisticamente. Ao captar a visão essencial dos outros, com a reverência e verdadeira compreensão que se deve mesmo aos selvagens, estamos contribuindo para alargar a nossa própria visão. Não podemos chegar à sabedoria final socrática de conhecer-nos a nós mesmos se nunca deixarmos os estreitos limites dos costumes, crenças e preconceitos em que todo homem nasceu. Nada nos pode ensinar melhor lição nesse assunto de máxima importância do que o hábito mental que nos permite tratar as crenças e valores de outro homem do seu próprio ponto de vista. E mais: nunca a humanidade civilizada precisou dessa tolerância mais do que agora, quando o preconceito, a má vontade e o desejo de vingança dividem as nações européias, quando todos os ideais estimados e reconhecidos como as mais altas conquistas da civilização, da ciência e da religião, são lançados ao vento. A Ciência do Homem, em sua versão mais refinada e profunda, deve levar-nos a um conhecimento assim, à tolerância e a generosidade, baseados na compreensão dos pontos de vista de outros homens.
O estudo da etnologia – tão frequentemente encarado por seus próprios discípulos como uma ociosa procura de curiosidades, por um passeio entre as formas selvagens e fantásticas de “costumes bárbaros e superstições cruéis” – pode tornar-se uma das disciplinas mais profundamente filosóficas, esclarecedoras e dignificantes da pesquisa científica. Infelizmente o tempo é curto para etnologia, e talvez esta verdade de seu real significado e importância não seja reconhecida antes que seja tarde demais.
MALINOWSKI por Tielli Lopes